Nos últimos anos, virou moda dizer que está todo mundo “viciado” no Instagram. A palavra se espalhou como se fizesse parte do pacote básico de quem abre o app no café da manhã. Só que um estudo recém-publicado no Scientific Reports mostrou que essa sensação coletiva tem muito mais barulho do que verdade. E esse exagero, segundo os pesquisadores, faz mais mal do que parece.

A pesquisa analisou mais de 1.200 adultos e encontrou um número que desmonta o senso comum: só 2% apresentam sintomas que realmente lembram dependência. Mesmo assim, 18% acreditam estar viciados. Em outras palavras, para cada pessoa com risco real, há pelo menos oito carregando um rótulo que não combina com a vida que levam.

Esse rótulo é justamente o problema. Quando alguém se convence de que está preso ao aplicativo, a sensação de controle desaba. A culpa cresce, a pressão aumenta e até o comportamento começa a parecer pior do que é. Em um dos testes, bastou pedir que voluntários escrevessem por dois minutos sobre momentos em que se sentiram “viciados” para que passassem a acreditar que tinham menos domínio sobre o próprio uso. Curioso, porque nada mudou no modo como eles navegavam no Instagram. Só a percepção.

Os pesquisadores lembram que vício é outra história, com sintomas pesados como abstinência, prejuízo à rotina e perda real de controle. A maioria das pessoas vive outra coisa: hábito. Abrir o app no ponto de ônibus, na hora do almoço, no intervalo do trabalho. Um gatilho automático que quase metade dos usuários reconhece e que não se enquadra em nenhum diagnóstico psiquiátrico.

O estudo também aponta por que tanta gente se vê como dependente: o ambiente em volta empurra essa narrativa. Em três anos de conteúdo analisado nos Estados Unidos, havia quase cem vezes mais textos falando em “vício” do que em “hábito digital”. Manchetes, memes e posts reforçam a ideia de que todo uso intenso é patológico, e as pessoas acabam comprando essa versão sem perceber.

A parte positiva é que, quando se entende que o problema é hábito, e não vício, o caminho fica mais leve. Ajustes simples, como reduzir notificações, reorganizar a tela inicial, deixar o celular longe em certos momentos ou trocar o impulso automático por outra ação, tendem a funcionar muito melhor do que estratégias radicais.

O pesquisador Ian Anderson ainda faz um alerta: chamar de vício o que é só costume cria um problema que nem existia. E, para piorar, dificulta mudanças. É como tentar se livrar de uma prisão imaginária.

Enquanto isso, plataformas seguem explorando justamente a lógica que cria hábitos automáticos. E qualquer mudança profunda deve depender mais de políticas públicas do que de boa vontade das empresas. Até lá, o desafio é um só: parar de se culpar por um “vício” que, na maioria dos casos, não passa de um hábito teimoso.

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Jornalista com registro no MT desde 2022, atuando na área desde 2019. Produtor de eventos desde 1998 e desenvolvedor web desde 2007, com foco em WordPress e conteúdo digital. No Pista Livre, é responsável pela criação, edição e estratégia dos conteúdos.