A conversa nos pátios das transportadoras já não tem rodeio. O buraco ficou tão grande que não dá mais para fingir que é só “falta de mão de obra”. A crise dos caminhoneiros virou aquele tipo de problema que atravessa a faixa, buzina no ouvido e obriga o país inteiro a olhar. Caminhão tem. Carga tem. O que não tem é gente disposta a sentar no banco e encarar uma estrada que virou pesadelo.

O detalhe que mais incomoda é justamente esse: não é que sumiu motorista. É que sumiu a vontade. A nova geração olha para a vida na boleia e sente que é condenação, não escolha. A imagem romântica das viagens, do pai levando o filho na boleia, da estrada que ensinava metade da vida… tudo ficou para trás. Hoje o que aparece é violência, banho pago, estacionamento liberado só se abastecer, noite mal dormida e salário que não compensa o desgaste.

E enquanto isso acontece, os pátios estão virando museu a céu aberto. Equipamentos milionários parados, pranchas gigantes sem ninguém para conduzir. Dono de empresa ligando para motorista veterano perguntando se “não tem um sobrinho que queira aprender”. Ninguém quer. A categoria envelheceu, bateu os 50 anos de média, e os mais novos fogem antes de completar a habilitação.

O curioso é que lá fora a situação não é muito diferente. Estados Unidos, Europa, América Latina… todo mundo correndo atrás de motorista. A diferença é que alguns países já entenderam que não se resolve isso só colocando dinheiro na mesa. Aqui, ainda tem empresa que acha que é só anunciar vaga. O problema é mais profundo: falta suporte, respeito, estrutura, alguém que atenda o caminhoneiro às três da manhã quando o rastreador trava. Sem isso, ninguém fica.

Tem quem diga que o Brasil está vivendo o choque de duas gerações. De um lado, a turma do home office, do trabalho remoto, da vida perto da família. Do outro, uma profissão que exige sumir por dias, enfrentar risco e pagar caro para se manter apto. Formar um motorista custa dinheiro, cursos, testes, adaptações. E no fim, muitos percebem que o retorno não compensa.

O pior é que essa crise não fica na estrada. Ela bate no bolso de quem está no supermercado. Caminhão parado significa frete caro, entrega atrasada, produto mais salgado na prateleira. E quando chegar a época de maior demanda, a economia dá aquela travada seca: não tem motorista, não tem giro.

Algumas empresas já começaram a acordar e abriram escolinhas internas, bancando formação total. É o tipo de movimento que mostra que ainda existe saída, mas precisa de organização. Depender da esperança de que “alguém vai aparecer” não resolve mais. O caminhoneiro precisa ser tratado como peça central da economia, não como custo.

No fim, a pergunta que ecoa na estrada é outra: será que o Brasil vai conseguir reacender essa chama antes que ela apague de vez? Porque, do jeito que está, falta motorista não porque a categoria sumiu. Falta porque a profissão cansou. E, por enquanto, quem perde é todo mundo.

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Jornalista com registro no MT desde 2022, atuando na área desde 2019. Produtor de eventos desde 1998 e desenvolvedor web desde 2007, com foco em WordPress e conteúdo digital. No Pista Livre, é responsável pela criação, edição e estratégia dos conteúdos.